sábado, 27 de dezembro de 2008

O diploma me faz jornalista?



Recebi esses dias em uma das listas de que participo mais um dos e-mails, sempre em tom sindicalista-desesperado, falando da defesa do diploma para o exercício do Jornalismo. Um “manifesto à nação” da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), cuja propagação foi pedida aos jornalistas e blogueiros da lista —mas que o próprio site da Fenaj não destacava até a publicação deste post, ou se trazia era escondido demais para tanto alarde. Sou jornalista formado —mas me pergunto: foi mesmo o diploma que me fez jornalista?

Diz o tal manifesto: “O Supremo Tribunal Federal (STF) está prestes a julgar o Recurso Extraordinário (RE) 511961 que, se aprovado, vai desregulamentar a profissão de jornalista, porque elimina um dos seus pilares: a obrigatoriedade do diploma em Curso Superior de Jornalismo para o seu exercício. Vai tornar possível que qualquer pessoa, mesmo a que não tenha concluído nem o ensino fundamental, exerça as atividades jornalísticas.”

Questiono-me sobre o século em que vivem os profissionais integrantes da Fenaj e do Sindicato dos Jornalistas. Corporativismo é a razão óbvia. Mas obsolescência é o que me parece estar por trás disto. Por um simples motivo: exercer funções jornalísticas independe do diploma faz tempo, e não requer que recurso extraordinário algum. Graças à Web, qualquer um pode exercer sua liberdade de expressão.

Sempre fui favorável ao diploma. Até que, formado, após dois anos ministrando aulas de graduação para Jornalismo e cursando meu mestrado em Comunicação, retornei à Escola de Comunicações e Artes da USP, só que agora como professor. Foi um semestre para confirmar o que meu orgulhoso diploma uspiano me fazia negar —o curso de Jornalismo beira a falácia. Estuda-se sociologia e filosofia (ministrada por sociólogos e filósofos frustrados, que vieram cair na área de comunicação) de maneira parca e rasa; de outro lado estudam-se as técnicas de cada meio de difusão de informação, como se isso não fosse material de ensino profissionalizante e estivesse muito aquém do que requer um grau superior de formação.

E a Comunicação, campo tão rico, tão vasto? Meu semestre de Teoria da Comunicação, em 1999 ou 2000, foi tão superficial que tive de buscar uma optativa sobre o tema tempos depois. História do Jornalismo? Ha! Uma verdadeira piada… com direito a professora questionando os alunos sobre “O que é aprender”, pergunta seguida de vexatórios 10 minutos de silêncio na sala. Outra vez, fui obrigado a procurar uma optativa do saudoso Jair Borin para saber um pouco do que havia se passado na história da imprensa do meu país. Pergunte-me se alguma disciplina tinha por leitura obrigatória a “História da Imprensa no Brasil”, do Nelson Werneck Sodré? Pergunte aos responsáveis pelo curso de Jornalismo se existe algum esforço em publicar o trabalho dos alunos em algum meio outro que não o papel malcheiroso do Jornal do Campus? Quando comparo o que estudei em cinco anos de ECA com o que as pessoas da FAU, da Poli, da FEA estudam, realmente tenho a sensação de que cursar Jornalismo foi uma grande brincadeira. O que só se ratifica quando você ouve da boca de um coordenador de curso da USP que a faculdade só é o que é por causa da Fuvest.

E então você se depara com trabalhos como a reportagem multimídia Entremuros de um Hospital-Colônia, da ecana Gabriela Agustini —de que fui banca avaliadora, na sexta-feira última— e percebe que foi executado todinho sem apoio algum da Escola, mas somente com o pulso da orientadora e da própria rede de contatos que a aluna criou. Realmente há algo de errado.

Certa feita ouvi uma frase comicamente realista. “O mundo tem uma bunda muito grande, e as pessoas precisam de muito papel para limpá-la”. Pois um diploma, nessas condições de formação, é um papel higiênico com carimbo da USP —e aqui cuspo no prato que comi, mas certo de que a história se repete de tanto que já ouvi de gente que se graduou em outros cursos de jornalismo pelo país.

Será, portanto, que Fenaj e Sindicato estão realmente se preocupando com o que merece atenção, ou estão apenas defendendo interesses corporativistas, para manter suas fontes de renda e sua função, cada vez mais anacrônica, diante de um cenário de mídia que já virou de século? Porque, realmente, se é para defender este diploma que eu e mais tantos outros tiram todo ano —juro que talvez eu tenha que mudar de lado.

Que se pense, pois, o Jornalismo —antes de defesas corporativas, precisamos de uma defesa conceitual. Torna-se necessário ousar mais no âmbito acadêmico, que, fora do anacronismo modorrento da universidade pública, ainda teima em reproduzir (e reproduz mal) o mercado a quem busca fornecer mão-de-obra. O momento é de transição, e manter o velho discurso sobre diploma da era da imprensa escrita só tornará os jornalistas ainda mais anacrônicos e dinossáuricos em tempos de Web.

Para concluir, vou usar uma citação de Ignacio Ramonet, do Le Monde Diplomatique, como que para dizer que sim, ainda acredito no Jornalismo: “Face a todas as transformações tecnológicas com as quais nos defrontamos, devemos nos colocar a seguinte pergunta: de que problemas atuais o jornalismo é a solução? Se conseguirmos responder, então o jornalismo jamais desaparecerá.”

Ainda há como responder?
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Com base no artigo acima faça uma análise sobre: o que "faz (forma) de fato um jornalista ser jornalista"?
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